REPRESENTATIVIDADE NEGRA NO CINEMA E A IMPORTÂNCIA DE OFERECER OPORTUNIDADES

Marvel Studios/Divulgação

Passaram-se 131 anos após o fim da escravidão, mas o racismo decorrente da época em que o povo negro, arrancado a força de suas terras e obrigado a ir para um lugar desconhecido  para serem escravizados, humilhados e ridicularizados pela sociedade, tendo todos os seus direitos proibidos e sua cultura negada, ainda segue atuante. Causando consequências físicas, mentais, sociais e até espirituais em suas vítimas.

O racismo e a segregação são ferimentos que ainda não cicatrizaram, e isso pode ser notado também nas produções audiovisuais. No Brasil, os diretores negros, homens e mulheres somados, chegam a míseros 2,1% na direção, 2,1% no roteiro e 2,1% na produção executiva, por exemplo.

Avanços

O Cinema Negro é rico e diverso, com narrativas fortes e bastante reflexivas. No entanto, quando não é dada oportunidades às pessoas certas, é privada a elas o direito de falar e criar. Isso resulta em abordagens estereotipadas e repletas de clichês. Comumente assistimos ao negro sempre sendo representados como o empregado ou como o personagem que possui um desvio de caráter, tendenciando para um vilão ou antagonista - quantas vezes você já se pegou vendo um a filme ou novela e pensando "nossa, outra vez isso?", é cansativo ter que ficar esperando por uma reviravolta onde a sorte sopre a favor do negro abordado sob a perspectiva de diretores brancos. 

A pesquisadora de estereótipos raciais e mestranda em sociologia pela Universidade de São Paulo, Thaís Santos, afirmou durante entrevista ao Jornal USP que "tanto no plano nacional quanto no plano internacional, temos um histórico de estereótipos degradantes da figura do negro". Segundo a professora, apesar de certos avanços ao longo do tempo, a indústria cultural insiste em representar o negro de maneira negativa.

Felizmente, avanços estão acontecendo ao longo dos tempos, e estamos vendo resultados sendo gerados em um processo embrionário que parece que vai levar muitos anos até estar forte e aceito pela grande massa. Recentemente, tivemos a escolha da atriz norte-americana Halle Bailey para interpretar a princesa e sereia Ariel no live-action da Disney. O longa será gravado em 2020, mas a escalação de uma atriz negra para viver uma sereia já causou um reboliço na internet. 


Reprodução/Divulgação

Rumores apontam que a atriz Lashana Lynch irá substituir Daniel Craig na franquia 007 assumindo o codinome de Bond no futuro. Lashana faz parte do elenco do próximo filme do agente secreto, 007 - Sem Tempo Para Morrer, ainda protagonizado por Craig que estreia em 2020 nos cinemas. Mesmo ainda não tendo sido confirmada, a simples ideia de ter um 007 que foge do padrão homem, branco e galanteador para passarmos a ter uma mulher negra no papel, já causa polêmica nas redes sociais. 


Reprodução/Divulgação

Por que oferecer oportunidades é importante?

Durante seu discurso - emocionante - no Emmy 2014, Viola Davis, a primeira mulher negra a ganhar o prêmio de melhor atriz dramática, disse: "[...] a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade". A fala dela teve bastante repercussão por trazer à luz como a televisão e a indústria cinematográfica são compostas, em sua grande maioria, por pessoas brancas. Quando falamos em representatividade negra na sétima, ou no audiovisual como um todo, existe uma palavra que deve sempre ser pautada: oportunidade.


Reprodução/Divulgação

O ano de 2016 foi marcado por diversas manifestações na indústria cinematográfica internacional por falta de diversidade entre os atores e atrizes indicados para a cerimônia do Oscar - pelo segundo ano consecutivo, nenhum artista ou diretor negro estavam na disputa por uma estatueta dourada. Tudo isso fez surgir nas redes sociais as hashtags #OscarSoWhite (Oscar muito branco) e #OscarStillSoWhite (Oscar ainda muito branco). O diretor Spike Lee foi uma das celebridades a anunciar boicote à edição. Após esses ocorridos, tivemos alguns resultados com filmes de diretores negros sobres questões negras sendo indicados e vencendo em importantes premiações internacionais, como Moonlight: Sob A Luz Do Luar, por exemplo. Recentemente, Pantera Negra e Infiltrado Na Klan também fizeram história ao se destacarem no Oscar. 

Dirigido por Spike Lee, Infiltrado Na Klan venceu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. O filme denuncia o ódio, racismo e estupidez da Ku Klux Klan. 
Para se aprofundar um pouco mais no tema, recomendamos que você assista ao vídeo abaixo: uma entrevista que fizemos com o crítico de cinema e editor do site Cinesia Geek, Danilo Oliveira.



Também preparamos para você uma lista com cinco filmes (e uma série) com representatividade negra. Se liga!

Pantera Negra (2018, Ryan Coogler)
Da esquerda para a direita: Forest Whitaker, Michael B. Jordan, Daniel Kaluuya, Lupita Nyong'o, Chadwick Boseman, Angela Bassett, Danai Gurira e Letitia Wright, o elenco de Pantera Negra. (Créditos: Pinterest).

Eu não poderia começar esta lista com outro filme. Pantera Negra é o maior marco do cinema negro dos últimos anos, e é uma obra que irá perdurar como uma das mais representativas de todos os tempos. O longa acompanha T'Challa, que é o soberano da nação africana de Wakanda, um país tecnologicamente avançado e isolado do resto do mundo. Após a morte de seu pai, T'Chaka, ele herda o título de Pantera Negra (nome dado aos chefes das tribos de Wakanda). Entre as suas funções está a de defender o país de invasores e garantir a paz no reino. Pantera Negra traz muita representatividade  através do roteiro, direção, elenco - composto majoritariamente por pessoas negras -, trilha sonora, figurino e design de produção.

Ryan Coogler também dirigiu - e escreveu - o muito bom Fruitvale Station: A Última Parada. Baseado em história real, o filme mostra o última dia da vida de Oscar Grant, um garoto negro que foi morto por um policial branco na estação de trem Fruitvale, em Oakland, na Califórnia, durante o réveillon de 2008.

Olhos Que Condenam (2019, Ava Duvernay)
Netflix/Divulgação

Ava Duvernay é uma mulher negra que vem fazendo seu nome tanto na indústria cinematográfica quanto na televisão com obras de forte impacto social. Em 2016, ela dirigiu Selma: Uma Luta Pela Igualdade - que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Direção -, longa ambientado em 1965 e que narra uma passagem bastante específica da trajetória da luta pelos direitos civis  dos negros nos Estados Unidos e da vida de Martin Luther King: a marcha que, organizada pelo reverendo, visava expor as ações racistas no estado do Alabama, que insistia  em impedir que a população negra se registrasse para votar.

Ela também fez o documentário A 13ª Emenda, e o seu trabalho mais recente é a incrível série Olhos Que Condenam.

Na série, Duvernay aborda uma história real onde cinco jovens (quatro negros e um latino) são acusados, sem nenhuma prova, de estuprar uma jovem branca de classe-média, no Central Park, em Nova York. A partir desse ponto tem início uma caçada por culpados - que precisam confessar e receber punição rapidamente. Ava Duvernay faz uma abordagem bastante forte, diferente e necessária dos problemas do sistema carcerário, judiciário e - por que não - social norte-americano quando se trata de julgamento racial.

Ponto Cego (2018, Carlos López Estrada)
Summit Entertainment/Divulgação

Muito elogiado no Festival de Sundance, Ponto Cego veio para levantar o diálogo em uma das feridas americanas: o racismo contemporâneo. O filme de estreia de Carlos López Estrada, diretor americano com ascendência mexicana, trabalha justamente baseado nessas reflexões sociais. É uma obra de identidade, narrativas e sobrevivência. Na trama, Colin (Daveed Diggs) é um rapaz negro que, após cometer um crime e ser preso, está nos momentos finais de sua liberdade condicional. Enquanto trabalha numa empresa de mudanças, Colin precisa aguentar os últimos dias sem se envolver em problemas que possam levá-lo de volta à prisão. O problema é que seu melhor amigo, Miles (Rafael Casal), um rapaz branco que trabalha com ele, está sempre colocando a dupla em situações delicadas.

Infiltrado Na Klan (2018, Spike Lee)
Universal Pictures/Divulgação

Com direção de Spike Lee e produção de Jordan Peele, Infiltrado Na Klan, mostra a história verdadeira de Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro policial negro a conseguir se infiltrar na Ku Klux Klan. Por ser negro, obviamente, ele não pode participar das reuniões pessoalmente e, por isso, enquanto marca tudo por telefone seu parceiro Flip Zimmerman (Adam Driver) assume sua identidade junto aos membros da KKK. Os dois chegam aos níveis mais altos da organização em uma dos filmes mais importantes de 2018.

Spike Lee consegue fazer uma grande homenagem ao Blacksploitation - um movimento cinematográfico dos EUA que surgiu na década de 1970 onde diretores e atores negros começaram a produzir uma série de filmes.

Corra! (2017, Jordan Peele)
Blumhouse Productions/Divulgação

Muito conhecido pela carreira de comediante, Jordan Peele começou a se aventurar no cinema muito recentemente, e iniciou muito bem com o terror Corra!, o qual ele mesmo escreveu. O longa trás uma excelente crítica social ao racismo nos Estados Unidos e ainda nos presenteia com a melhor atuação da vida do ator Daniel Kaluuya.

Na trama, uma rapaz negro, interpretado pelo Kaluuya, viaja para o interior dos Estados Unidos para conhecer a família da namorada branca vivida pela Allison Williams. No começo, tudo parece normal, até que passa a acontecer uma série de eventos que torna a experiência perturbadora. O diretor conseguiu fazer uma excelente mistura de suspense, terror, crítica social e humor satírico, demonstrando muito talento e trazendo uma cara nova ao cinema de horror que encontra-se saturada com seus jumps scares  e outras convenções do gênero.

Moonlight: Sob A Luz Do Luar (2017, Barry Jenkins) 
A24/Divulgação

Sabe o que acontece quando um garoto negro, pobre, que cresceu sofrendo racismo e teve poucas oportunidades na vida decide fazer cinema? Assista a Moonlight: Sob A Luz Do Luar e você terá a resposta.

Barry Jenkins cresceu em Liberty City, Miami, teve uma infância bem complicada por causa da sua raça e classe social, e através do esporte conseguiu mudar a própria vida. Barry jogava futebol americano, o que lhe rendeu uma bolsa na Florida State University.

Inicialmente, ele queria ser professor, depois escritor e só mais tarde decidiu fazer cinema, mas só depois de cinco anos após se formar conseguiu realizar seu primeiro longa-metragem Medicine For Melancholy, escrito por ele mesmo. Oito anos depois, tendo como base a peça In Moonlight Black Boys Look Blue, de Tarell Alvin McCraney, Jenkins fez a sua obra-prima,  Moonlight: Sob A Luz Do Luar, e com esse trabalho conseguiu algo que era considerado impossível: ter um filme escrito, dirigido e atuado por negros reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, levando, inclusive, a estatueta da categoria principal. 

Moonlight é uma crônica dividida em três atos e nela acompanhamos a jornada de autodescoberta do Chiron, um menino negro, pobre e homossexual da periferia de Miami. A jornada do personagem é baseada na vida do diretor e do criador da peça que deu origem ao longa.

Após a cerimônia do Oscar 2017, Barry Jenkins divulgou o discurso que tinha preparado e não leu por causa da confusão na hora de anunciar o filme vencedor da noite. Leia-o na íntegra abaixo:

"Tarell [Alvin MacCraney] e eu somos Chiron. Nós somos aquele garoto. E, quando você assiste "Moonlight", você não supõe que um garoto que cresceu como e  onde crescemos iria crescer e criar uma obra de arte que ganha Oscar. Eu falei muito disso, e eu tive de admitir é que introjetei aquelas limitações em mim mesmo, eu neguei aquele sonho a mim mesmo. Não você, não qualquer outra pessoa - eu. E então, a todas as pessoas que, assistindo a isso, se enxergarem em nós, deixem que isso seja um símbolo, uma reflexão que leve vocês a amar a si próprio. Porque  fazer isso pode ser a diferença enter sonhar e, de alguma forma, graças à Academia, realizar sonhos que vocês nunca se permitiram ter. Amor". 

Conteúdo produzido em parceria com: Alexandre Bispo, Dahiele Alcântara, Edvaldo Costa Filho, Raiana Oliveira e Thiago Paim. 
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Autor Edvaldo Sales

Estudante de jornalismo, millennial, nerd, cinéfilo em formação e futuro rei de Wakanda.
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