Reportagem mostra casos de pessoas que procuraram outras formas de sobreviver após perderem seus empregos em meio a recessão econômica
Fonte: Foto/Reprodução |
O depoimento acima é da
arquiteta de 42 anos Cleide Bittencourt, que, após perder o emprego na área, precisou
mudar de vida e hoje sobrevive com a confecção e venda de artesanato. A
situação dela retrata o quadro que muitos brasileiros enfrentam desde que a
crise econômica assolou o Brasil, em 2014, e ainda permeia o país. Em meio a
esse cenário o principal caminho buscado por eles foi se reinventar.
Formada em arquitetura há dez
anos, a carreira de sucesso de Cleide começou muito antes da formação. “Eu
comecei a estagiar desde o terceiro semestre e quando me formei, em 2009, já
estava em um nível avançado. Eu não era mais uma arquiteta recém-formada, já tinha
bagagem para atuar em vários cargos. Assim que conclui o ensino superior,
iniciei como projetista na empresa em que eu estagiava e logo após fui
promovida para coordenação, depois de um tempo cheguei ao cargo de gerência”,
relata.
Cleide ainda passou por outras
duas conceituadas empresas, mas nem mesmo toda experiência adquirida ao longo
dos anos foi suficiente para que ela não entrasse nas estatísticas do desemprego em 2017. “Lembro que eu tinha acabado de finalizar uma obra e me deram férias.
Naquele momento eu senti que podia ser um sinal de demissão devido ao cenário
que eu via ao meu redor. Quando eu voltei, foi justamente o que aconteceu”,
revela a arquiteta.
De acordo com dados do último
trimestre divulgados
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE), dos 12,6
milhões de desempregados no Brasil – o que representa 11,8% da população -
3,347 milhões procuram trabalho há no mínimo dois anos. A técnica de
planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andréia Parento Lameiras, diz que o mercado de trabalho "é o pior retrato" da crise econômica.
“Estamos com o mercado de
trabalho ainda muito deteriorado, embora nos últimos meses a gente veja uma
reação. A crise tem dificultado a geração mais forte de postos de trabalho e
essa reação costuma ser muito lenta no começo”, informa a técnica de planejamento
e pesquisa.
Foi preciso reinventar
Como parte desse dado, Cleide,
que já procura emprego há justamente dois anos, viu no artesanato um refúgio nesse
tempo em que não consegue voltar ao mercado. “No momento em que a demissão
passou a ser uma realidade e não mais um achismo, passei a ver o artesanato com
outros olhos. Aproveitei um pouco da criatividade da minha área e passei a
desenvolver minhas artes, que denomino de Arché Artesanatos”, expôs.
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Questionada sobre o processo
de produção e vendas, ela explica: “Passei a ver vídeos em casa e depois fiz um
curso. Comecei a desenvolver para minha residência, depois comecei a vender
para meus amigos, até que agora sobrevivo totalmente disso. Tudo é feito e
vendido na minha casa ou em feiras na cidade. Tenho um perfil no Instagram (@arche.artesanato)
para quem quiser fazer alguma solicitação por lá, além de participar também de
vendas online”, explica a artesã.
Cleide diz gostar do que faz,
porém prefere voltar para área de arquitetura por considerar mais rentável e
ter segurança de que irá conseguir pagar as dívidas no final do mês. “Eu
precisei me reinventar, mas apesar de achar uma maneira, hoje vivo uma vida
muito diferente da de antes”, conta.
Ainda em seu depoimento ela
completa: “Foram muitos cortes que precisei fazer, sobretudo em lazer. Já não
viajo mais desde que fui demitida, corto custos domésticos também. Eu procuro,
envio currículo, tento de todas as formas, mas devido as minhas qualificações
fica difícil de encontrar. Às vezes até tiro alguma coisa, contudo ainda assim
não consigo desde então. Sigo em busca e me reinventando sempre que for
necessário para sobreviver”, finaliza a arquiteta.
Nem só da indústria se vive o homem
O setor industrial foi uma das
principais áreas afetadas neste período de crise. Depois no estopim dos anos
iniciais, a recuperação gradual da atividade econômica até trouxe esperança de
dias melhores para o setor, mas, foi só um suspiro.
Em 2018, com a crise na
Argentina – que prejudica as exportações – e o efeito da greve dos
caminhoneiros, 40% dos segmentos industriais fecharam ou reduziram o quadro de
funcionários, conforme dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi).
O técnico em eletromecânica Romeu
Alves foi um dos que fizeram parte dessa redução. Ele atuou por 17 anos em uma
das maiores indústrias do ramo automotivo: Ford Motor Company, em Camaçari - BA.
Com tantos anos de experiência, uma carreira de crescimento na empresa e perfil
exemplar, ele não imaginava que poderia ser demitido.
“Eu saí da Ford em 2018. Ao
longo dos 17 anos que estive lá passei por diversas áreas da Ford, desde
operador de linha até a função de coordenador, onde, com cinco anos, fui
promovido e comecei a trabalhar no Controle Estatístico do Processo da Ford
(CEP). Tinha uma carreira muito promissora na empresa e era muito exemplar, por
isso não acreditava que seria demitido, foi um choque para mim”, conta o
técnico.
Para Romeu foi muito difícil a
aceitação, sobretudo porque ele não se programava para o acontecimento. Foi com
todo apoio da família que ele começou a enxergar que existem outras
possibilidades. “No momento eu chorei muito e ficava me perguntando como que eu
ia conseguir manter meu padrão de vida a partir dali. Minha família foi meu
colo”, expôs o técnico visivelmente emocionado.
Em busca da sobrevivência Romeu
começou a desenvolver atividade como multinível, realizando compras e vendas e
recrutando pessoas para o time. Logo depois passou a atuar como corretor de
imóveis, mas foi no desenvolvimento do seu negócio com plantas que ele se
reinventou.
Foto: Leilane Teixeira |
“Realizo atividades de
corretagem e às vezes com vendas no multinível, porém foi nas vendas de plantas
que me encontrei. Sempre tive um apego pessoal e conhecimento com elas, com
isso aproveitei essa aptidão para investir nas Rosas do Deserto. Comecei sem
segundas intenções, por gostar mesmo. Me especializei, procurei saber se podia virar
um negócio e hoje eu sou certificado, cultivo e vendo Rosas do Deserto”,
explica.
Sobre o que foi necessário cortar, o técnico diz que foram muitas coisas, uma redução drástica, já que hoje ele tem uma renda mais de 50% inferior a época em que trabalhava na Ford. “Tinha uma renda muito boa e como agora não é igual precisei cortar custos para me adaptar, por exemplo: mercado, não faço mais por mês, eu faço quando está acabando a comida. Tirei de casa TV a cabo, ar condicionado. Diminui e retirei tudo que podia. Tive que me adaptar”.
Foto: Andrei Carvalho |
Mas, diferentemente de Cleide, Romeu não quer mais voltar para área. “Eu me encontrei. Apesar das dificuldades
eu amo demais o negócio que desenvolvo com as plantas e quero fazer disso minha
principal fonte de renda. Eu sei que é difícil, está sendo muito difícil na
verdade, mas vou me empenhar ao máximo para que o projeto cresça”, explica.
Confira abaixo o depoimento
dele na íntegra:
Conteúdo produzido por Andrei Carvalho; Angela Serra; Leilane Teixeira; Marcus Vinicius e Neia Carolina.
Conteúdo produzido por Andrei Carvalho; Angela Serra; Leilane Teixeira; Marcus Vinicius e Neia Carolina.
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